terça-feira, 4 de novembro de 2014

Tese Mestrado “Projetos Mosquinha”, dispositivos promotores da relação Sala/Família

Aqui estão o resumo e  considerações finais da minha tese de Mestrado, relativamente os projetos que apresentei "Caderno vai e vem" e o blog "os descobridores"

Resumo:

Nos tempos que correm não há dúvida que o êxito escolar está relacionado com a participação positiva dos pais na educação dos filhos, e que é a partir de atitudes da escola/professores, que essa participação pode tornar-se mais assídua, positiva e forte. A visão que vos apresento poderá traduzir-se na abertura das fronteiras da sala de aulas para outras dimensões da Escola e fora dela, tornando mais dinâmicos e efetivos os recursos já existentes.
Neste relatório encontrarão duas propostas que procuram fomentar a tão importante relação família/instituição: o Caderno vai e vem e o blogue Os Descobridores em que se solicita e se estreita a colaboração entre família e instituição, mais especificamente entre família e sala de aula. A experiência relatada evidencia quão estimulante a utilização destes instrumentos pode tornar-se no caminho percorrido com as crianças, quer na Educação Pré-Escolar quer no 1º Ciclo do Ensino Básico.

Este Relatório não pretende ser apenas mais uma reflexão teórica, mas sim uma ferramenta de trabalho que possa provocar discussão, ou constituir um ponto de partida, potenciar ideias, de forma a melhorar a qualidade de ensino nas nossas escolas e, sobretudo, qualificar a relação família/escola, tendo como pano de fundo o sucesso educativo e identidade individual e de grupo da criança.


Considerações finais:

Este trabalho foi bastante útil na perspetiva de tomada de consciência da minha parte para a potencialidade dos dois projetos que desenvolvi e vos apresentei. Na altura em que os apliquei, tinha objetivos delineados para ambos, mas estavam longe dos objetivos que poderiam alcançar, assim como os benefícios que eu pensava que representariam estavam longe das vantagens que acabaram por revelar e que já apresentei nos pontos anteriormente desenvolvidos. Sinto que este trabalho me ajudou a ver, através de um novo olhar, os aspetos positivos destes projetos, mas que ainda há outros que não foram explorados, que se encontram, talvez, intactos, e que só a partir da aplicação futura irão passar a um plano consciente quando trabalhados e refletidos, como aconteceu neste caso.
Apercebi-me, no decorrer da minha experiência profissional no contexto descrito, de que muitos professores duvidam dos benefícios da participação das famílias na escola, receando que este envolvimento seja uma forma de controlo e fiscalização; no entanto, muitos outros consideram incontornável a mais-valia dessa contribuição, e é esta que eu quis realçar com este trabalho.
Porém, a meu ver, há que provocar uma mudança de atitudes da escola, de modo a que os pais sejam apoiantes da inovação e defensores da reforma. A escola deve aceitá-los como seus parceiros fundamentais na educação das crianças de modo a oferecer-lhes a oportunidade de participarem. Para que tal aconteça, é necessário que as escolas conduzam o processo do contacto com os pais, não apenas para falar do progresso académico das crianças, mas também para os ajudar a desenvolver o conhecimento e a capacidade de que necessitam para compreender os filhos em cada nível educativo. Contudo, este não é um caminho repleto de facilidades, segundo Don Davies, é um caminho que requer empenho de todos os intervenientes: “Eu tenho aprendido que esse tipo de esforços são arriscados, o que leva a que muitos os evitem. Alguns são frustrantes.” (Miguéns, 2008:45).
Como já referi, não cabe apenas à escola mudar, é também, segundo Rui Maques, “da responsabilidade dos professores, individual e coletivamente, tanto nas escolas como nas suas organizações profissionais, melhorar as suas próprias competências e não se contentar com aquilo que as autoridades públicas estão dispostas ou podem fornecer(1998:47), têm de apostar na sua própria formação, querer conhecer mais, fazer mais. Saliente-se, porém, que os professores/educadores precisam, também, de sentir que o seu trabalho e investimento é reconhecido e, idealmente, garantido superiormente, constituindo esta atitude um reforço da mudança, na medida em que a valoriza e legitima.
Também é de reforçar que é importante atribuir-se à criança um papel ativo, solicitando reações, escolhas, exploração, tomada de decisões, realização de atividades, que facilitem e promovam a cooperação entre crianças – em lugar da competitividade – e, consequentemente, a comunicação, tão importante nestes projetos.
A repetição de experiências como a que relato neste relatório poderá contribuir para essa mudança, diria, de mentalidade. Pela minha parte, afirmo que desejo continuar a promovê-las na minha prática profissional, melhorando os aspetos que se revelarem menos conseguidos, numa perspetiva de investigação-ação, sempre com o intuito de estreitar laços entre a escola/professor e a família no objetivo comum do sucesso das crianças. Outros instrumentos surgirão. E, com eles, novas experiências, novos relatos e novas reflexões.

Só uma navegação conjunta- pais, professores, crianças e adolescentes – pelos oceanos da informação, da comunicação, do conhecimento e, sobretudo, da vida pode alcançar um são equilíbrio neste presente conturbado.” (Marques, 1998:17)


Bibliografia:
Marques, R.; Skibeck, M. & Alves, J. (1998). Na sociedade da informação, o que aprender na escola? Lisboa: Asa.
Miguéns, M. (2005). Educação e família, conselho nacional de educação. Lisboa: Ministério da Educação. 

Blog "Os descobridores"

O blogue surgiu na emergência de criar uma resposta para algumas situações detetadas em contexto de estágio que, a meu ver, necessitavam de ser trabalhadas. No estágio referente ao 1º Ciclo do Ensino Básico, foi-nos pedido que desenvolvêssemos um plano de intervenção planificada, em que se tinha de fazer um levantamento das problemáticas gerais da turma, de modo a que se conseguisse ir de encontro às suas necessidades. Assim, após alguns dias de observação detetei as seguintes:
·         Manifestação de atitudes que denunciam alguma falta de autonomia e responsabilidade;
·         Manifestação de atitudes/comportamentos que refletem a falta de valores nos domínios cívicos e morais do indivíduo enquanto elemento da comunidade educativa;
·         Individualismo;
·         Falta de valores de solidariedade e respeito pelas diferenças;
·         Falta de autoestima por parte dos alunos, quer a nível académico que a nível pessoal;
·         A falta de interesse por parte dos pais no percurso escolar dos filhos;
·         Falta de disponibilidade dos encarregados de educação para virem à escola;
·         O ceticismo dos alunos quanto à importância da Escola na formação do indivíduo.
Assim o projeto que desenvolvi estava construído na tentativa de dar resposta aos principais problemas detetados no grupo, e ainda, recorrer a uma atuação pedagógica e metodológica assente numa pedagogia por descoberta que visasse a exploração concreta, observação direta, participação e envolvimento de todos os intervenientes e, ainda, o aproveitamento de todos os recursos humanos e materiais disponíveis na comunidade educativa. O título que dei ao projeto foi:
Aprender a gostar de nós e dos outros

O projeto em si tinha muitas metas, objetivos a trabalhar, claro que nem todos foram trabalhados como pretendido, mas serviram de base para a criação do blogue. Alguns dos objetivos eram:
·         Estimular a participação ativa dos encarregados de educação no percurso académico do seu educando;
·         Promover o desenvolvimento da autoestima, de regras de convivência e de respeito mútuo, que contribuam para a formação de cidadãos autónomos, participativos e civicamente responsáveis;
·         Desenvolver competências necessárias ao exercício da cidadania;
·         Fomentar situações de diálogo e reflexão sobre experiencias vividas e preocupações sentidas pelos alunos; Proporcionar situações de expressão de opinião, de tomada de decisão com respeito pelos valores da liberdade e da democracia;
·         Desenvolver atitudes de respeito individual, respeito pela família e respeito pelos outros;
·         Adquirir hábitos de trabalho individual e em grupo, contribuindo para o desenvolvimento de atitudes de cooperação e entreajuda;
·         Favorecer o desenvolvimento de sentimentos de autoconfiança;
·         Integrar os alunos com necessidades educativas especiais (NEE).
Muitos foram os projetos que pensei, e alguns, concretizei. No entanto, apenas passado um tempo é que idealizei o blogue. Isto porque, com o decorrer do dia-a-dia me apercebia de que havia um desinteresse por grande parte dos pais na vida escolar dos filhos, não havia um grande acompanhamento feito em casa, talvez por incapacidade de conciliar horários, no entanto, muitas vezes, os recados vinham assinados muito tempo depois, não havia correspondência assídua, não havia grande preocupação para que a criança chegasse a tempo às aulas, que trouxesse o material necessário, os trabalhos de casa feitos (que eram raros). Estas situações levaram-me para o tempo em que eu era aluna do 1º Ciclo do Ensino Básico em que tinha acompanhamento mais académico por parte do ATL que frequentava, mas em casa, havia a preocupação em saber o que se passava em contexto escolar, se havia recados, se os trabalhos estavam feitos, se a mala estava pronta, até mesmo preparação do lanche, e principalmente, pontualidade na chegada à escola. O que faltaria a este grupo? Os tempos tinham mudado tanto assim? Claro que ponderei que os horários dos pais são muitas vezes difíceis, mas que estas falhas não se deviam apenas aos pais, muitos dos ATL’s que as crianças frequentavam não se responsabilizavam por auxiliar as criança nos trabalhos escolares. Havia um conjunto de fatores que me levavam a pensar que havia uma alguma falta de interesse pelas crianças e o seu percurso escolar, e que talvez isso se refletisse na falta de autoconfiança, falta de valores. Como poderia eu tentar inverter este percurso?
Assim surgiu a ideia do blogue. Isto porque me lembrei do projeto que tinha desenvolvido anteriormente, o Caderno vai e vem. Claro que o modelo não poderia ser o mesmo, teria de ser algo mais adaptado àquele grupo e, claro, ano escolar. Seria então a nível informático, via internet, para que todas as famílias pudessem ter acesso à informação, em casa, num fórum cultural, onde fosse possível. Felizmente já estava familiarizada com a construção de um blogue, sendo para mim fácil a criação do mesmo; já para a professora foi um pouco mais difícil o acompanhamento do mesmo, ao que chegamos ao acordo que eu ficaria responsável pela manutenção do mesmo, mas que ela iria, claro, acompanhar todo o processo.
O blogue em si, tinha então como objetivos, numa fase inicial:
·         Fomentar a reflexão crítica;
·         Promover a capacidade de iniciativa;
·         Despertar e estimular a criatividade;
·         Desenvolver competências de partilha e cooperação;
·         Desenvolver o espírito de intervenção e participação;
·         Oferecer atividades curriculares e de enriquecimento curricular de acordo com as necessidades e interesses dos alunos;
·         Melhorar a comunicação com as famílias;
·         Potenciar ações dirigidas aos pais, visando a sua intervenção no acompanhamento do percurso escolar dos alunos;
·         Estimular a comunicação formal e informal entre os pais e as estruturas de orientação educativa;
·         Dar a conhecer às famílias todo o trabalho desenvolvido em contexto escolar, de modo a que se sentissem mais integrados e mais “seguros” quanto à atividade dos filhos.

A base seria a mesma que a do Caderno vai e vem, todas as sextas-feiras, ou o último dia da semana, seria feito um resumo do que se tinha realizado durante a semana, o que tinham aprendido, o que tinham trabalhado, o que tinham criado, entre outros aspetos que surgissem. Também havia uma projeção para a semana seguinte, do que se iria trabalhar ou anunciar momentos específicos, como visitas, ou comemorações especiais.
Eu levava o portátil para a sala de aula e com o projetor, projetávamos a imagem na parede da sala, e assim, começávamos a construir textualmente a estrutura da mensagem. As crianças é que decidiam o que seria exposto e como. Eu e a professora eramos apenas orientadoras, alertando para melhoramentos, esquecimentos entre outros. Eram escolhidas as fotografias, que eram tiras por mim ao longo da semana, de modo a ilustrar o texto.
Por haver fotografias das crianças optou-se, na reunião de pais, por se criar um blogue onde apenas teriam acesso as pessoas que o administrador, eu e a professora, convidasse-mos. Era necessário que os pais nos cedessem os seus email’s de forma a receberem um convite para poderem aceder ao blogue, assim, estaríamos a proteger a identidade das crianças, podendo, então, revelar fotografias sem problemas.
Mais uma vez, e felizmente, os resultados foram positivos. A ideia do blogue foi rapidamente bem aceite pelas crianças, assim como pela professora cooperante que rapidamente se apercebeu dos seus benefícios, dando-me a total disponibilidade e incentivo para realizar este projeto.
As crianças estavam sempre ansiosas para que a sexta-feira chegasse para poderem, então, relatar os acontecimentos da semana, mas também se mostravam motivadas quando eram tiradas fotografias, sentiam-se importantes e reconhecidas. 

Caderno vai e vem

O Caderno vai e vem surgiu na tentativa de responder a uma problemática. Era a primeira vez que iria estar à frente de um grupo de crianças, crianças com idades entendidas entre os 3 e 4 anos, sendo que a grande maioria se encontrava na sala pela primeira vez, tinham vindo da creche, onde os ritmos eram diferentes, as áreas, a organização de toda a sala e atividades, tudo era novo para eles e para mim, o que se poderia tornar um fator de ansiedade por ambos os lados. Ansiedade que acabou por se revelar por parte de alguns pais, pois estes sabiam que aquela seria a minha primeira experiência, assim como aquela era uma nova “etapa” para os seus filhos. Queria que os pais encarassem o Jardim-de-Infância, mais especificamente a minha sala, como um espaço privilegiado de interação social que permitia a cada criança partilhar e trocar experiências, momentos de grande valor emocional e afetivo, importantes para o desenvolvimento individual assim como do grupo.
Queria, ainda, provar a mim mesma que conseguiria realizar este projeto, que tinha sido um pouco desacreditado por parte dos restantes adultos da instituição, como a educadora Vera afirmou:
Inicialmente quando a Raquel me falou do Caderno vai e vem achei uma ideia bastante ambiciosa e que exigia tempo e paciência para o concretizar. Pensei que era uma ideia de alguém que está a começar agora, que chega a casa e não tem que fazer jantar, arrumar a casa, dar banho ao filho, dar jantar ao filho, brincar com o filho, etc, etc, até chegar à hora de se deitar.
Este seria, então, um desafio que estava pronta a tomar.
Mas afinal no que consistia o Caderno vai e vem? Era algo, a meu ver, muito simples. A semana decorria de forma natural, havia atividades, previamente planeadas, brincadeiras, momentos chave próprios de uma rotina num jardim-de-infância. Eu ia registando fotograficamente vários momentos do dia, para que depois, estes fizessem parte do relatório semanal presente no caderno. Todas as sextas-feiras, realizávamos, à semelhança do que acontece no MEM, uma “reunião”, ou seja, juntávamos os adultos responsáveis pela sala e, claro, todas as crianças. Esse espaço tinha como propósito que as crianças relatassem o que se havia passado ao longo da semana, refletissem o que tinham feito, dialogassem umas com as outras, e que tomassem decisões, entre outros aspetos que na altura ainda não se encontravam “formalizados” para este projeto. Nesse mesmo convívio, decidia-se, aleatoriamente, ou com a aprovação de todo o grupo, quem levaria o caderno para casa durante o fim-de-semana. O objetivo seria, em conjunto com os pais, a criança, há semelhança do que acontecia durante a semana, relatasse o seu fim-de-semana em contexto familiar, com ou sem fotografias, apenas se pedia um registo do que tinha acontecido no fim-de-semana da criança.
A Lei-Quadro para a Educação Pré-Escolar define a educação pré-escolar, como sendo:
(…) a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida, sendo complementar da ação educativa da família com a qual deve estabelecer estreita relação, favorecendo a formação e o desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção como ser autónomo, livre e solidário. (Lei n.º 5/97, de 10 de Fevereiro, art.º 2)
Criar a “estreita relação” era um dos meus objetivos, sendo que esta iria promover outro tipo de vantagens que abaixo serão apresentadas. A partilha também era desejada, a partilha de momentos vividos ao longo do ano letivo, relatado no caderno, e os momentos familiares vividos pela criança. Com isto queria aproximar os pais do contexto escolar, dar a conhecer, e dar a oportunidade de participarem, de forma diferente, no mesmo.
Com o caderno iria um livro infanto-juvenil da Educadora de Infância, ou seja, meu, que era escolhido pela criança eleita. O livro tinha como objetivo dar a conhecer aos pais, livros de qualidade, tentar proporcionar um momento de qualidade entre os pais e a criança, ao estarem juntos na descoberta do livro. Também foi tido em conta que alguns pais poderiam não ter a oportunidade de, durante o fim-de-semana, vivenciar com a criança um momento chave, um momento “digno” de partilhar, assim, o livro possibilitaria a criação desse momento, dando a oportunidade de, em conjunto, relatarem no caderno quais as emoções, sensações que aquele momento lhes tinham proporcionado.
Na semana seguinte, na entrega do caderno, a criança iria relatar ao restante grupo, com o auxílio da Educadora e do próprio caderno, o que havia acontecido, o que tinha aprendido, o que tinha vivenciado dentro de um contexto mais familiar e pessoal. Queria que as restantes crianças tivessem a oportunidade de, também, se possível, vivenciar também os acontecimentos, as atividades da criança em questão com o relato da mesa. Depois do relato, e da troca de ideias entre as crianças, se possível, eu desenvolvia uma atividade relacionada com o tema tratado, na tentativa de potencializar a participação da criança, dando valor às suas vivencias e à participação e empenho dos pais.